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Foto do escritorSofia Neves

Gostar de açúcar, uma ferramenta de sobrevivência

Atualizado: 12 de ago. de 2023

Não há nada no mundo, e estou a falar a sério, que me dê a mesma sensação do que comer algo doce. É uma mistura de euforia com um efeito calmante. Durante a maior parte da minha vida, eu disse que se me dessem pão e sobremesa todos os dias, eu ia sobreviver, pois isso era a minha comida favorita. Para ser sincera, nunca me importei de não comer refeições se no final do dia eu comia os meus docinhos. O açúcar literalmente manteve-me numa vida sem descanso e se tornou um dos meus melhores amigos. Demorou-me uma vida inteira a perceber que eu tinha um verdadeiro vício com coisas doces. O mais interessante, eu sempre fui capaz de me gerir bem em todas as áreas da minha vida, mas quando se tratava de açúcar a minha força de vontade simplesmente desaparecia. Eu sei que não sou a única que se sente assim, e por isso vamos explorar neste blog porque somos biologicamente programados para coisas doces.


por que gostamos tanto de doçura?

Idade da Pedra e Doçura


O mundo pode ter evoluído muito, mas nosso ADN como seres humanos é o mesmo da Idade da Pedra. Biologicamente somos como os nossos ancestrais caçadores.


Então, porque gostamos tanto de doçura? Na Idade da Pedra o sabor da doçura sinalizava alimentos que eram seguros (não há alimentos que sejam doces e venenosos ) e cheios de energia. Numa época em que a comida não era fácil de encontrar, era uma vantagem comer quanto mais fruta pudesse-mos, antes que qualquer outra coisa a comece-se. Então evoluímos para sentir prazer quando provamos algo doce e para comê-lo em demasia.


O que a ciência diz sobre o vício do açúcar


Quando comemos algo doce, uma substância química chamada dopamina inunda o nosso cérebro. Esta hormona ('a hormona da felicidade') é a mesma substancia que libertamos quando fazemos sexo, jogamos videogames, navegamos nas redes sociais, bebemos álcool, fumamos cigarros ou usamos drogas ilegais. E nunca nos cansamos deste químico.


Num estudo de 2016, ratos receberam uma alavanca com a qual podiam ativar seus próprios neurônios de dopamina (graças a um sensor óptico especial). Os pesquisadores observaram um comportamento peculiar: quando os ratos eram deixados por conta própria, eles passavam o tempo todo pressionando a alavanca para ativar seus neurônios de dopamina, repetidamente. Os ratos pararam de comer e beber e os pesquisadores tiveram que encerrar o experimento porque os ratos morriam. A obsessão por dopamina fe-los esquecer as suas necessidades básicas. Isto tudo para dizer que os animais, incluindo os humanos, gostam muito de dopamina. E comer comida doce é uma maneira de conseguir dopamina facilmente.


Noutro estudo com ratos, concluiu-se que o açúcar era oito vezes mais viciante que a cocaína. Quando os ratos podiam escolher entre cocaína e açúcar, eles escolheram repetidamente consumir açúcar. A pesquisa também concluiu que o açúcar alterou o comportamento normal dos ratos, criou dependência e os ratos sofreram de sintomas de abstinência de açúcar da mesma maneira que as pessoas experimentam com drogas ilegais.


A vida moderna alimenta o vício do açúcar


A natureza quis que consumisse-mos glicose de uma forma específica: nas plantas e raramente. No passado nas raras ocasiões que os humanos comiam glicose esta estava sempre misturada com fibra. Isto era importante porque a fibra ajuda a retardar a absorção de glicose pelo corpo.


Infelizmente, quando os humanos encontram algo bom, tendem a levá-lo ao extremo e causar mais danos que benefícios. As plantas sempre concentraram glicose, frutose e sacarose em seus frutos, mas algum tempo atrás, os humanos começaram a manipular esse processo e mudaram plantas para que os seus frutos tivessem um sabor ainda mais doce. As frutas de hoje são o resultado de muitas gerações de melhoramento genético para reduzir a fibra e aumentar o açúcar. Elas são muito diferentes das suas antepassadas de mil anos atrás, são maiores e definitivamente mais doces. Também deixaram de ser sazonais, pois agora temos-las disponíveis durante todo o ano. Por isso, mesmo quando comemos frutas, uma fonte natural de doçura, precisamos de ter algum cuidado.


Depois decidimos ferver a cana-de-açúcar e cristalizar o seu sumo e assim criamos o açúcar de mesa – que é 100% sacarose. Este novo produto tornou-se extremamente popular no século XVIII. E embora as fontes de açúcar tenham mudado com o tempo – agora também extraímos sacarose da beterraba e do milho entre outras, o açúcar tornou-se cada vez mais concentrado e disponível.


Passamos de comer frutas fibrosas colhidas apenas em certas temporadas nos tempos pré-históricos, a comer em média mais de 2,7 kg por ano. E continuamos a comer cada vez mais, porque é difícil para o nosso cérebro controlar o desejo por coisas com gosto de fruta. Doçura e dopamina são sempre gratificantes e, nesse processo, envenenamos nossos corpos com a quantidade de açúcar ingerida.


Hoje, a grande maioria das prateleiras dos supermercados está repleta de produtos que contêm principalmente amido e açúcar. A fibra não aparece em lugar nenhum e é de propósito: a pouca fibra existente nos alimentos originais é muitas vezes removida na criação de alimentos processados, isto acontece porque a sua presença é problemática quando estamos a tentar conservar as coisas por muito tempo.


Para provar este ponto, coloque um morango fresco no congelador durante a noite. Na manhã seguinte, descongele. Se tentar comê-lo, estará mole. Porquê? porque a fibra foi quebrada em pedaços menores pelo processo de congelamento e descongelamento. A fibra ainda está lá (e ainda traz benefícios para a saúde), mas a textura não é a mesma. A fibra é frequentemente removida dos alimentos processados para que possam ser armazenados nas prateleiras por anos sem perder a textura.


Algo mais é feito com os alimentos para transformá-los em produtos de sucesso nos supermercados: a sua doçura é aumentada. Estas são as bases do processamento de alimentos, primeiro retirar a fibra e depois concentrar amido e açúcares (e por vezes sal).


Como mostraram muitos estudos, é importante entender que a inclinação para comer um chocolate não é a nossa culpa. Não é uma questão de força de vontade – longe disso! É uma programação genética antiga, porém a programação que no passado nos fazia sobreviver, nos dias de hoje, com o tipo de alimentação que temos disponível, está-nos a fazer ficar doentes lentamente. No entanto há esperança!


Pessoalmente, esta foi uma das metas em melhorar a minha saúde que foi mais difícil de atingir - a redução do açúcar no meu dia a dia. Três coisas que me ajudaram nesta jornada foram:

- Consciência: eu parei de me culpar por ter falta de força de vontade e sentir-me mal por isso. Quando eu recaio no meu vício por doces, agora levo a coisa com calma. Lembro-me que fui geneticamente programada para isso e que estou a viver num mundo cercado de tentações por todo o lado. Eu estou apenas a ser humana, não preciso de ser perfeita para ser bem sucedida, e por isso posso voltar a tentar;

- Alimentos Não Processados: eu preenchi as minhas refeições com alimentos integrais ricos em fibras e diminui a ingestão de alimentos processados. Quando faço compras, lembro-me que os alimentos processados geralmente estão cheios de açúcar, e são pobres em nutrientes e fibras. Eu agora sou consciente de que se decidir come-los, eu vou desejar comer mais. Então, eu evito ao máximo trazer-los para casa.

- Frutas: Eu uso frutas, frutas inteiras, com moderação, para acalmar a minha gulosice diária .


Agora sou testemunha de que com o passar do tempo, quando te tornas mais saúdavel e começas a dar ao teu corpo os nutrientes que precisa, a gulosice naturalmente diminui. Hoje passo semanas sem tocar num doce.



Fontes:


Glucose Revolution, Jessie Inchauspe, Octopus Publishing Group

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